Sim, para a surpresa dele, respondi a seu constrangido cumprimento com o melhor dos meus sorrisos. Timidamente, estendeu-me a mão. Retribuí com a minha. Sorriu também e soltamos dois beijos no ar. Perplexidade de todos ao nosso redor.
Sim, basta uma desilusão maior e mais feia para esquecermos a passada. Dizem que o tempo é senhor da razão. Será? Não sei, mas às vezes pode ser uma boa amnésia. Amnésia não, que eu não esqueci. Como diria um colega do jornal, "Perdoar, eu perdoei. Mas não esqueci, não, meu bem".
Sim, pois é, darling, não esqueci. Apenas não me faz mais mal. Perdoei.
Lembra-se do que lhe disseram quando você era criança? Seus pais, o colégio...
Aconselharam a não fazer com os outros o que não queria que fizessem com você, a ser o amigo que gostaria de ter, a amar no próximo como a si mesmo (isso já é da Igreja, mas serve também).
O problema é que eu levei à sério. Por isso, hoje só levo na cara.
Por mais que eu tente o meu melhor em tudo, nunca é suficiente e não consigo ser boa em nada.
Hoje, vejo com tristeza algumas pessoas que considerava amigas se acharem no direito de julgar os meus atos, os meus sentimentos, as minhas "besteiras". Ontem, outros me julgavam por me achar desleal com alguém que muito gosto sem conhecer a história que nos envolveu. Nunca fui desleal com ninguém, embora tenham sido muito comigo. Mas às vezes as coisas ficam assim, suspensas, envoltas em detalhes que poucos conhecem. A pessoa em si sabe que nunca fui uma má amiga. Tanto que até entende as minhas "besteiras". E concorda com elas. Se fosse com ela, agiria do mesmo jeito. Não considera besteira, assim como eu também. Besteira ou não-besteira, sinceridade ou traição, não importa a mais ninguém, não cabe em julgamentos. Amizade não é tribunal. Eu rejeito o papel de ré.
Amigos de verdade aconselham, ajudam, conversam... mas não julgam. Amigos de verdade não somem quando estamos mal. Amigos de verdade não fazem ironias com o que nos magoa. Amigos se verdade são poucos, menos do que eu imaginava. É triste admitir.
Copiei descaradamente (espero que ela volte a escrever o mais rápido possível):
- Pq todo mundo me promete que existem pessoas diferentes e que um dia alguém vai gostar de mim, mas o que vale nesse mundo é o rostinho bonito e o corpinho enxuto?
- Todo mal traz em si um bem. lembra disso?
- ...
- Se ele é do tipo que um rostinho bonito e um corpinho enxuto é o que importa, dê gracas a Deus de ter caido fora dessa.
- E onde existem pessoas que não sejam assim?
Eu queira muito encontrar a resposta e dizer à minha amiga. Queria muito descobrir pessoas que dão valor ao que nós damos. Queria muito vê-la feliz com alguém que se importa de verdade. Vejo pessoas lindas sendo machucadas o tempo inteiro. E não entendo. Juro que não entendo. Queria muito entender os critérios. Não, não. Na verdade, é uma questão de princípios. Mas aí também mora a dúvida.
A Isabel é que está certa: cada mulher deveria ter direito a um Chico Buarque.
Mesmo que fosse o subejo da Marieta.
Cecília
Quantos artistas
Entoam baladas
Para suas amadas com grandes orquestras
Como os invejo, como os admiro
Eu, que te vejo e nem quase respiro
Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas com todas as letras
Eu te murmuro, eu te suspiro
Eu, que soletro teu nome no escuro
Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença palavras são brutas
Pode ser que, entreabertos
Meus lábios de leve tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí
Como tantos poetas, tantos cantores
Tantas Cecílias com mil refletores
Eu, que não digo mas ardo de desejo
Te olho, te guardo
Te sigo, te vejo dormir
Saudade da irmã que vai voar para a Cidade Maravilhosa.
Saudade do meu pai (e de todos os dias em que estivemos juntos)
Saudade da infância pré-escolar.
Saudade de quem tenta se aproximar e eu rejeito.
Saudade dos amigos que voaram mais alto.
Saudade de quando a minha sobrinha cabia no meu colo.
(e eu penso como eu queria que ela não sofresse nunca nesse mundo nojento. e sofro de saber que isso é impossível. se eu pudesse escolher algo, apenas uma coisa, escolheria a felicidade dela)
Saudade de quem está a poucos quarteirões, mas mais longe que tudo.
Saudade de abraços.
Saudade de quando eu acreditava.
Saudade de quem eu fui um dia.
Saudade de quem eu poderia ter sido.
Era tardinha quase noite. No pátio, sentada no banco de concreto, com as minhas mãos entre as dele e sem dizer palavra. Apenas os olhos falavam. Ele quebrou o silêncio lembrando que em pouco tempo o céu iria escurecer. Perguntou se eu também gostava de ficar parada só olhando as estrelas. Respondi-lhe que sim, que gostava de vê-las, uni-las mentalmente, formar desenhos, tal e qual como se faz com as nuvens. Ele riu-se e disse que já era poder de abstração demais. Eu ri junto, concordava. Lembrei-lhe que as estrelas que vemos estão mortas, desapareceram... deixando apenas seu brilho viajando zilhares se anos-luz até nossos olhos.
"Eu vou te dar umas estrelinhas"
"Ahn?"
"Espera um pouco."
Soltou minhas mãos e procurou algo na pasta ao lado. Pegou uma Bic preta.
"Me dá tua mão. Não, a outra, a esquerda"
"O que você vai fazer?"
"Deixa de ser desconfiada. Não vou te fazer mal. Quer dizer, você é alérgica a Bic?"
Não, eu não era alérgica a Bic e dei-lhe a mão esquerda.
"Pronto. Três estrelinhas, presente meu."
"Não vou poder lavar as mãos?"
"Só a direita"
Mais uma vez rimos.
"Agora já posso ser piegas e dizer que te daria estrelas, ou melhor que te dei estrelas" "É verdade. Pena que elas não vão resistir ao meu banho logo mais"
"É só tinta de Bic. Quando olhar faça de conta que elas ainda estão aí, como as de verdade, que duram bem mais. Como o sentimento, garanto"
E como as estrelas - mesmo as de verdade - têm brilho fulgaz, o sentimento se acabou em dois meses.
E pior, as estrelas não eram só minhas.
Um dia desses passando pela Cultura lá estava ele desenhando estrelas em mãos alheias.
Passei fingindo não ter visto. Provavelmente, ela pensava que estrelas eram só pra ela.
Acho que desisti de tatuar três estrelas.
Acho que ele é pouco original.
* * *
No mesmo cenário, ele havia me dito que a candura dos meus olhos apenas sublinhava a beleza do meu rosto. Machado de Assis, disse ele, que adorava uma citação. Coisa de quem quer ser poeta. Romântica, fiquei pisando em nuvens, achando tudo lindo. Pensava que era exclusivo, que era meu. Até que num desses e-mails tipo questionário lá estava a frase, classificada pela garota como a mais bonita que ela já tinha ouvido. Saída da boca de adivinhe quem.
Ele também é pouco original.
* * *
Ele deve beijar outros olhos para desejar boa noite.
Afinal, ele também não deve ser original.
* * *
Ele, ele e ele não são a mesma pessoa. Mas bem poderiam ser.
Sempre o mesmo capítulo, a automatização dos gestos, dos sentimentos, das falas.
Escala industrial.
Eu e Germano demos um tempo na música pop internacional. Hoje, nos voltamos para as raízes brasileiras, e foi graças à Carolzinha linda, que puxou o Paulinho "Maravilhoso" da Viola. Chegamos ao grande e incontestável Cartola. Pois, para a Carolzinha e o Gê eu boto uma das músicas mais lindas e tristes do poeta que pintava paredes e queixava-se às rosas.
Peito Vazio (Cartola e Elton Medeiros)
Nada consigo fazer quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração, sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto em meu peito um vazio
E faltando as tuas carícias
As noites são longas e eu sinto mais frio
Procuro afogar no álcool a tua lembrança
Mas noto que é ridícula a minha vingança
Vou seguir os conselhos de amigos
E garanto que não beberei nunca mais
E com o tempo essa imensa saudade que sinto se esvai
Não se deixe levar pelas aparências. Eu, por exemplo, jamais imaginaria que duas pessoas que conheço apenas de vista passaram pelo mesmo que eu. Trágica coincidência. Agora entendo o motivo (ou pelo menos um deles) de tantas angústias. Sei lá, mas me deu uma vontade de abraça-los.
Preciso aprender a lidar com (ou seria driblar?) os silêncios constrangedores. Principalmente os internos, quando não tenho respostas para as minhas próprias perguntas. Se bem que às vezes nem sei que o me perguntar. Não é pra entender, foi só um desabafo.
Acho que certa está a minha irmã quando diz citando alguém (eu esqueci quem, droga!):
"Toda a nossa fonte de sofrimentos advém da vida ser sempre feita de quereres contraditórios".
É verdade, acredite: fico feliz com sua felicidade.
(Deve ter sido lindo)
Mas confesso meu egoísmo: fico triste por não poder fazer parte dela.
(Envergonho-me)
Mesmo assim, desejo-a em dobro.
Sinto-me uma idiota.
[luv]
Karen Koltrane
* * *
Adeus você (Los Hermanos)
Adeus você.
Eu hoje vou pro lado de lá.
Estou levando tudo de mim que é pra não ter razão pra chorar.
Vê se te alimenta e não pensa que eu fui por não te amar.
Cuida do teu pra que ninguém te jogue no chão.
Procure dividir-se em alguém, procure-me em qualquer confusão.
Levanta e te sustenta e não pensa que eu fui por não te amar.
Quero ver você maior, meu bem.
Pra que minha vida siga a diante.
Adeus você.
Não venha mais me negacear.
Seu choro não me faz desistir, seu riso não me faz reclinar.
Acalma esta tormenta e se agüenta, que eu vou pro meu lugar.
É bom, às vezes, se perder sem ter porque, sem ter razão.
É um dom saber envaidecer, por si, saber mudar de tom.
Quero não saber de cor, também.
Para que minha vida siga adiante.
Para que minha vida siga adiante.
Para que minha vida siga adiante.
[luv]
Karen Koltrane
* * *
Quanto a outra pessoa que de alguma forma me magoou por esses dias, eu só tenho um pedido. Não quero que entenda, apenas peço que não ria do que não compreende. Nem tudo do que eu digo é brincadeira. Assuntos sérios devem ser tratados como tais. Sei que você sabe.
[luv]
Karen Koltrane
* * *
Constatação: Mesmo ausente por esses dias, há três anos Guaramiranga me lembra uma pessoa em especial. Uma pessoa que passou pela minha vida apenas para me apresentar John Coltrane (cujo tributo não pude ver) e Sonic Youth. Admito que não foi pouco. Poderia ter sido mais, de qualquer modo obrigada.
[luv]
Karen Koltrane
* * *
Saideira: Guaramiranga estava mais fria.
A serra continua a mesma, nós é que mudamos, todos nós.
Eu queria sair.
"Cabaret Voltaire" seria uma boa opção.