É porque a vida é assim. Mil giletes sobre a carne não doeriam tanto. Eu sei de tudo isso. E como sei...
Chore agora, chore de novo. Eu pensei que já houvesse chorado tudo, mas não. Então chore. Foi inesperado e isso piora tudo. Faz tudo ficar maior, mais escuro, mais triste. Uma dor mais aguda. Faquir que fracassou, pois dói. Todas aquelas agulhas na alma. Uma queimadura de gelo. A indiferença, é, eu sei. As bocas tão unidas, as mãos. Tudo o que você queria. Eu sei. Você sabe que eu sei, menina. Vejo-me em seu sofrimento. Conheço esse gosto de lágrima. Conheço essa garganta travada, a ausência de fala, a felicidade fake que transmite. E confesso que não sei o que lhe dizer. Não há nada a ser dito. Nada vai diminuir essa dor. E não sou boa de conselhos.
Então é assim. Eu tenho tanto a dizer e nada que você queira ouvir. E é por isso que escolhemos esse não-caminho do suspenso, sem chegadas e sem saídas. Não, eu não escolhi. Você escolheu. Essa despedida sem adeus, essas reticências, esse talvez. Não queria que você tivesse me visto chorando, mas era a única certeza que eu tinha ali. Eu precisava. Porque você me olha com olhos de prisão. Olhos ambíguos, indecisos, grades abertas. Preciso me libertar, preciso me manter em pé, preciso sobreviver. E aqui ao seu lado, dessa maneira que você escolheu, eu não consigo. Sinto, você nem imagina o quanto, mas eu tenho que sair. Tenho que evitar essas janelas negras. Por isso não mais o encaro. Por isso apenas contemplo o silêncio ao teu redor. Como desejo que o meu desejo fosse o seu, que esse silêncio fosse cortado, que você não me deixasse sair assim. Vamos! Faça-me flutuar novamente, faça. Mas faça-o com a beleza do movimento, do caminho, do chegar juntos a algum lugar. Dê-me apenas a certeza de que vale a pena e ficarei na ponta dos pés.