[band-aid, prozac e outros paliativos]



quinta-feira, março 25, 2004

A "brincadeira" é legal, peguei gosto. Eis, então, o resultado da primeira parceria com Danny Husk:

Quando Pereira acordava assim não era bom sinal. Quase mudo, ausência de gestos, apenas riscava a mesa com a colher. Levantou-se de uma vez, assim como se tivesse se lembrado de um compromisso inadiável. Pegou o cigarro no bolso da camisa e procurou ao redor. Na falta do fósforo, levantou a panela do fogão e acendeu na chama azulada. Um braço ríspido apareceu empurrando-o para a direita: “Solta, que assim desanda o feijão”. Olharam-se por uns dez segundos, tempo bastante para que Ivonete percebesse que lá estava de novo ele com aquele olho amarelo. Diacho, já deveria ter pensado nisso. Coisa boa não havia de ter naquele resto de dia. Benzeu-se com o credo em cruz e provou o feijão nas costas da mão. Desandou. “Já não era sem tempo”, pensou ao vê-lo cruzar a porta, com todo o descaso trazido por aqueles vinte e três anos morando sob o mesmo teto. Sem feijão, suas atenções voltaram-se para aqueles dois bifes acebolados. Ainda pairava o cheiro forte; Derby, com certeza. De tudo ela odiava um pouco mais a cada dia. O cheiro do Pereira lhe causava repulsa, o gosto do Pereira lhe causava enjôo e aquele olho amarelo... aquele maldito olho amarelo. Parecia invadi-la quando ele queria sexo. De sobressalto, lembrou de Josué, seu único filho. Levantou os olhos aos céus, pedindo proteção, rezando pela alma boa que tinha seu filho, sempre ajudando nas despesas de casa. Pediu serenamente, com a mesma boca que amaldiçoa Pereira. Que descia as escadas apressado, como quisesse chegar em algum lugar mais cedo. Desempregado há três meses, jogava no bicho há mais de sete anos. 17- macaco, um dia a sorte há de sorrir. E nesse dia, arruma as malas, e fecha a porta pela última vez. Tudo fica atrás, Ivonete, seu feijão modorrento e aqueles bifes acebolados com gosto de desalento. A banca estava à apenas 20 metros. Bastava atravessar a Avenida São João. Era hoje, tinha de ser. A rotina o destruía aos poucos, levando tudo de bom o que tinha no peito embora. Cruzou por entre os carros. E entre os carros, uma moto. Apressado, Henrique, 19 anos, com um entrega por fazer, acertou Pereira em cheio. O barulho ecoou por dois quarteirões. Ivonete chegou à janela, curiosa, para perceber o acontecido. Viu o sangue, o amontoado de pessoas em volta (“bando de urubus”, pensou) e reconheceu aquele velho mocassim marrom. Pereira era passado. Quase como instinto, a tristeza lhe invadiu. Aos poucos, meio sem querer, a expressão assustada transformava-se em um leve sorriso de alívio. Naquela quarta-feira cinzenta finalmente deu o 17.

Miss_K | 11:44 AM |

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"Se existe Deus em agonia manda essa cavalaria que hoje a fé me abandonou"

Invento e exagero às vezes, mas é coisa pouca.

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Revirando o passado...

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